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UOL: A OAB e a sociedade: juntos pela reforma política democrática
Brasília – Confira o artigo publicado nesta terça-feira (25), no portal de noticias UOL, “A OAB e a sociedade: juntos pela reforma política democrática”, de autoria do presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
A OAB e a sociedade: juntos pela reforma política democrática
Em junho de 2013, milhares de pessoas foram às ruas manifestar insatisfação com o sistema político brasileiro, a qualidade dos serviços públicos e a ausência de canais de diálogo efetivos entre o poder político e a sociedade civil. Os protestos tiveram como estopim o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo, mas a movimentação avolumou-se e alastrou-se por todo o País. Nessa oportunidade, uma série de bandeiras foram levantadas: melhores condições e acesso aos serviços públicos como saúde, educação, segurança pública e mobilidade urbana, maior eficiência na investigação e punição de atos de corrupção, redução e auditoria dos gastos excessivos do governo com obras de infraestrutura para a Copa do Mundo, entre outros.
As manifestações trouxeram à tona um problema já antigo na democracia brasileira: a crise do sistema representativo vigente e sua consequente ausência de identificação entre representantes e representados e de espaços de participação direta da população nas deliberações públicas e na tomada de decisões relevantes.
O tema da reforma política, que há muito tempo vinha sendo discutido como pleito legítimo da sociedade civil, por setores do parlamento e pela própria Ordem dos Advogados do Brasil, voltou, então, a ocupar lugar de destaque na agenda política nacional.
Após um duro período ditatorial, de supressão das liberdades políticas e violação dos direitos humanos, a cidadania brasileira voltou às ruas para reivindicar o aprofundamento da democracia outrora conquistada, mais e melhores formas de participação política, probidade no trato da coisa pública, ampliação da participação feminina nas instituições representativas, em suma, por uma reforma estrutural no sistema político, capaz de dar vazão aos anseios de participação da sociedade civil na tomada de decisões sobre os assuntos de relevo na política nacional.
Assim como nos Anos de Chumbo, em que a Ordem dos Advogados do Brasil lutou pelo restabelecimento do habeas corpus e das eleições diretas, pela revogação dos atos institucionais e pela anistia dos presos políticos, a Entidade, hoje, continua a serviço da sociedade como instrumento de ressonância de suas demandas e aspirações republicanas e democráticas.
Importa, agora, discutir amplamente o conteúdo da tão almejada reforma política, a fim de que setores conservadores da sociedade não logrem apropriar-se desse momento de profundas transformações no sistema político com a intenção de restringir a participação social, ao invés de fomentá-la.
A discussão prioritária, portanto, não se restringe à necessidade de uma reforma política para o País, mas pressupõe a indagação sobre qual reforma política necessitamos. A OAB, sensível às demandas da sociedade, defende propostas claras e bem definidas nesse sentido. Sabemos que não há verdades prontas, mas temos premissas sobre as quais podemos nos assentar visando ao aprimoramento do nosso sistema político. Propomos uma reforma democrática que tenha como escopo assegurar a igualdade de condições entre os candidatos, fortalecer e democratizar os partidos políticos, estimular o debate programático, reduzir os custos de campanhas eleitorais, conter o abuso de poder político ou econômico, proteger a probidade administrativa e ampliar a participação popular no processo político-decisório.
Pensando nisso, a Ordem dos Advogados do Brasil, ao lado de mais de uma centena de entidades, movimentos e organizações sociais, instituiu, no final do ano passado, a Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, com a finalidade de pautar a realização de uma reforma política que possa aprofundar os instrumentos da democracia brasileira. Por meio de um projeto de lei de iniciativa popular, o PL n. 6316/2013, a Coalizão busca mobilizar a sociedade em prol de mudanças estruturais no sistema político.
O projeto gira em torno de quatro pontos prioritários dessa reforma estruturante: (i) a proibição do financiamento empresarial de campanha, (ii) a eleição proporcional em dois turnos, (iii) a representação paritária de gênero na política e (iv) o fortalecimento dos mecanismos da democracia direta no País.
A mudança do atual sistema de financiamento das campanhas eleitorais é peça chave na reforma política e no combate à corrupção. No modelo atual, as empresas são responsáveis por 95% do total arrecadado para as campanhas eleitorais, que têm atingido, a cada eleição, cifras exorbitantes . A doação maciça das empresas aos partidos políticos desiguala a competição eleitoral e faz com que o poder econômico se sobreponha ao poder político, impedindo a igual participação de todos no resultado das urnas e, por conseguinte, nas decisões a serem tomadas pelos partidos eleitos.
As empresas possuem relevante papel na economia brasileira, porém, não são dotadas de direitos políticos. Por isso, a doação eleitoral deve ser uma prerrogativa daquele que verdadeiramente detém o direito ao voto: o cidadão, a fim de que se respeite o fundamento republicano “um homem, um voto”. Apenas dessa maneira, poderemos garantir a legitimidade do financiamento das campanhas e a independência dos partidos políticos, que devem submeter-se apenas à Constituição e aos seus projetos e ideologia política e não a interesses de uma minoria detentora do poder econômico.
Nesse sentido, o Conselho Federal da OAB enviou aos candidatos à Presidência da República, na ocasião das eleições deste ano, proposta contida no Plano de Combate à Corrupção, na qual pugna pela criminalização do “caixa 2” de campanha eleitoral, fixando, para o delito, pena de 2 a 5 anos de reclusão.
A entidade também ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal , com o fito de proibir a doação empresarial em campanhas eleitorais. A maioria da Corte já se manifestou favoravelmente à inconstitucionalidade, contudo, o julgamento definitivo da ação encontra-se suspenso em razão de pedido de vista formulado pelo Ministro Gilmar Mendes.
Outro ponto de crucial relevância para o aumento da representatividade do sistema político é a adoção do sistema proporcional em dois turnos, com lista pré-ordenada.
Atualmente, o Brasil adota o sistema proporcional nas eleições para os cargos de deputado estadual, deputado federal e vereadores, que funciona com a lógica de que os partidos políticos elejam um número de parlamentares proporcional à quantidade de votos obtidos no processo eleitoral. Esse sistema oxigena a vida política, abrindo espaço para a circulação de novas ideias e opiniões, o que é muito positivo para a democracia.
Entretanto, o sistema de lista aberta, em que não há uma ordem prévia dos candidatos que assumirão as cadeiras do parlamento - até o limite a que tiverem direito conforme o cálculo do quociente eleitoral - provoca grandes distorções no pleito ao permitir que um candidato que tenha muitos votos assegure a eleição de outro que seja inexpressivo, além de fazer com a eleição gire em torno mais da pessoa dos candidatos do que das questões programáticas.
A fim de enfrentar tais distorções, a proposta da OAB e da Coalizão Democrática é a adoção de um sistema proporcional com lista pré-ordenada em dois turnos. No primeiro turno, o voto seria dado ao partido, permitindo a discussão programática em torno das propostas e ideias de cada legenda. No segundo turno, o voto seria direcionado ao candidato, porém, apenas participariam dessa fase a quantidade de candidatos equivalente ao dobro das vagas obtidas por partido segundo o quociente eleitoral, que seriam eleitos respeitando-se a ordem da lista pré-ordenada.
Esse sistema garante, de um lado, o debate programático em torno das ideias e projetos dos candidatos e, de outro, permite que o eleitor escolha, em última instância, os nomes que irão ocupar as cadeiras do parlamento, sem impedi-lo de votar no candidato de sua preferência, além de reduzir significativamente a quantidade de candidatos no segundo turno e, por consequência, os gastos de campanha.
Não se pode olvidar, ainda, a grave questão estrutural que consiste na sub-representação feminina nas instâncias políticas. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres representam 51,3% do eleitorado brasileiro e, no entanto, seguem tendo uma irrisória representação política. No Senado, apenas 9,81% são mulheres e, na Câmara, esse número cai para 8,96%. Esses dados exemplificam a discrepância entre a quantidade de mulheres na sociedade brasileira e a sua respectiva representação política.
Com o objetivo de fomentar a igualdade entre homens e mulheres também no espaço da representação política, a proposta da OAB segue no sentido de que a lista partidária seja composta com alternância de gênero. Assim, garante-se uma representação no parlamento mais fidedigna com a composição da sociedade brasileira, permitindo-se que a composição do Congresso e das Câmaras de Vereadores seja paritária.
Finalmente, é imprescindível destacar a necessidade de ampliação dos mecanismos de participação direta da sociedade na vida política do Brasil. A democracia representativa apresenta claros sinais de falência, a população não se vê representada pela classe política e anseia pela ampliação dos espaços de deliberação pública, onde possa exercer diretamente sua cidadania, expor seus pontos de vista e argumentar a favor daquilo que entende como prioritário para a comunidade.
Apesar de a Constituição brasileira prever, desde 1988, o plebiscito e o referendo como instrumentos do exercício da democracia direta, isto é, formas de participação direta da população na tomada de decisão política, esses mecanismo de consulta popular foram aplicados apenas duas vezes. Isso sem mencionar as dificuldades burocráticas de coleta de assinatura e na lentidão da tramitação dos projetos de lei de iniciativa popular.
É preciso resgatar a soberania popular e devolver aos verdadeiros titulares do poder político a faculdade de decisão a respeito das importantes questões nacionais, como concessões de serviços públicos, privatizações, construção de obras de grande impacto ambiental, entre outras.
Recentemente, realizou-se nos Estados Unidos, em suas últimas eleições, 146 plebiscitos e referendos, dos quais 35 eram provenientes de iniciativa popular. Os assuntos abordavam desde a legalização da maconha ao valor do salário mínimo, com propostas também sobre aborto, alimentos transgênicos e porte de arma.
Isso mostra que a consulta à sociedade pode se tornar mecanismo corriqueiro na política nacional, estimulando a participação cívica da população em torno dos assuntos de interesse público, não apenas no período eleitoral, mas durante todo o mandato político. Isso amplia significativamente a participação popular e consolida uma cidadania ativa, propositiva e engajada com as questões nacionais, pelas quais passa a sentir-se diretamente responsável.
Exemplos como esse invalidam o falso argumento de que a ampliação da participação popular na política provocaria a “ingovernabilidade”. A verdadeira defesa do regime democrático não deve temer a participação do povo na política, sobretudo quando há mecanismos de garantia dos direitos fundamentais das minorias e da liberdade de expressão.
A OAB acredita e luta pela democracia. Essa é marca da nossa história e a missão inarredável de nossa Instituição. Caminhamos ao lado da cidadania brasileira, vocalizando seus anseios por uma democracia real, não demagógica, que respeite integralmente os direitos humanos, que combata a desigualdade de gênero, o racismo, a homofobia, a xenofobia e as desigualdades de qualquer natureza. Prezamos o direito de igualdade, sem desrespeitar o direito à diferença, e a defesa da igualdade de condições dos candidatos sem a influência perniciosa e antidemocrática do poder econômico, intensificando a participação dos cidadãos na vida política do País e recuperando o princípio da soberania popular, corolário da ordem constitucional brasileira e do regime democrático.
Ontem, lutamos pela restauração da democracia, ao longo do regime militar. Hoje, mobilizamo-nos, ao lado da cidadania brasileira, para lutar pelo seu aprofundamento, pois acreditamos que a sociedade civil, o povo, é a verdadeira e legítima protagonista da história.